“Coimbra 8 de Junho de 1953 - Às vezes fico-me a pensar no grau de intolerância que é preciso para, num país como o nosso, existir uma incompreensão tão cega pelo drama de todos aqueles que vivem à margem da Igreja. Nados e criados num ambiente familiar católico, aplainados na doutrina, convivas mais tarde à mesa de uma literatura fradesca e devota, limitados às emoções de uma arte exclusivamente religiosa, rodeados de amigos praticantes, e a pegar e a despegar do trabalho ao som de sinos que tocam o Ave, só mesmo porque qualquer coisa de muito profundo, de muito rebelde, de muito invencível, se recusa dentro da natureza de tais anatematizados, explica que se arredem de um caminho onde tudo lhes seria fácil, e tomem por outro onde tudo lhes é difícil. …”
in Miguel Torga - Diário Vols VII e VIII
Passado mais de meio século, sou tentado a concluir que tudo se inverteu e são agora os crentes o objecto da incompreensão de que Torga nos falava em 1953.