Do nome não recordo. Lembro bem da testa, brilhante de um suor oleoso, e das mãos, sebosas e inquietas, a segurar uma bolsilha. Este homem tinha uma estalagem, uma mulher e uma filha. Ou era uma estalagem, uma filha e uma mulher? Da estalagem é que não houve dúvidas.
Por aquela altura, já lá vai mais de uma década, no Tribunal de Barcelos foram julgados vários casos de violação. O homem da estalagem estava arrolado como testemunha num deles.
Estava-se na Primavera e corriam as Festas das Cruzes. Uma rapariga, aluna numa das escolas da cidade, com os seus 14 ou 15 anos (já não lembro bem), foi-se divertir numa das pistas de carrinhos de choque. Dias após, regressou ao mesmo divertimento. De ambas as vezes, estava sozinha. De ambas as vezes, chegou, gastou todo o dinheiro disponível em fichas e depois deixou-se ficar por ali, a assistir ao corrupio do local. A banhar-se na cativante e sedutora desordenança, como um peixe que abandona a segurança regrada do seu pequeno aquário doméstico.
Peixe de águas revoltosas e profundas, habituado a manhas e truques, com graduação obtida em festas e romarias, um empregado do divertimento não demorou a topar a rapariga.
Meteu conversa, e ela respondeu.
Ofereceu-lhe fichas, e ela aceitou.
Ganhou-lhe a confiança e a simpatia.
Um dia, esperava-a à saída da escola. Fez convite para um passeio, de carro.
Foram para um pinhal não longe da cidade. O condutor do automóvel violou-a. Cúmplice só na armadilha, o jovem da pista dos carrinhos de choque assistiu.
Gordinho, o homem da testa reluzente protestava com brandura, indignava-se com comedimento. No átrio do tribunal, já todos sabiam que era empresário e que estava impaciente e aborrecido pelo tempo, irrecuperável, que estava a perder. Tempo inutilizado ali; tempo tão querido e precioso para dedicar à sua amada estalagem.
Chegou por fim a sua vez de prestar testemunho.
O que é que nos pode dizer sobre o caso que estamos aqui a tratar?, perguntaram-lhe. E o homem da testa reluzente lamentou. Lamentou o tempo que lhe tinham feito perder. Lamentou ainda que nada pudesse contribuir, porque nada sabia.
Mas a vítima não é sua filha? É, sr. dr. juiz. Mas eu só sei que já perdi muito tempo com isto. Além do mais, eu trabalho, sou uma pessoa muito ocupada, tenho responsabilidades e a educação da minha filha é com a mãe dela. Para mais, tratando-se de coisas de mulheres.
Texto: José Carlos Braga
Foto: Nuno Sousa
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